À época, o que a tornava importante aos meus olhos era o capricho da edição e a diversidade de cenários aos quais a leitura de suas páginas me transportava. Eram doze volumes, de capa grossa, esculpida em baixo relevo, com detalhes dourados na lombada. Trazia historietas de poucas páginas, em linguagem acessível, várias delas ilustradas por xilogravuras e vinhetas. O conjunto era conhecido pelo nome Biblioteca Infantil da Livraria Quaresma.
Exemplares da Biblioteca Infantil da Livraria Quaresma, edição de 1957, após quatro gerações de crianças na família... |
- Contos da Carochinha
- Teatrinho Infantil
- Histórias da Avozinha
- O Reino das Maravilhas
- Histórias do Arco da Velha
- Os Meus Brinquedos
- A Árvore de Natal
- Histórias do País de Ali Babá
- Histórias Brasileiras
- Histórias da Baratinha
- Contos do País das Fadas
- Álbum das Crianças
Essa coleção foi o mais bem-sucedido produto da antiga Livraria Quaresma, inicialmente conhecida como Livraria do Povo. Seu editor-livreiro era Pedro da Silva Quaresma. Em 1894, Quaresma lançava o primeiro dos livros que veio a compor sua coletânea: os Contos da Carochinha, organizado por Alberto Figueiredo Pimentel, que já era conhecido como cronista popular do jornal Diário de Notícias e escritor adepto do movimento realista. Além de Figueiredo Pimentel, autoram alguns dos livros da biblioteca Viriato Padilha, Gondim da Fonseca e Tycho Brahe (não o astrônomo quinhentista, mas sim um escritor brasileiro do começo do século XX).
Sua importância na literatura brasileira é pouco conhecida fora do círculo acadêmico. Pedro Quaresma foi o iniciador da literatura infantil brasileira, precedendo Monteiro Lobato em quase 40 anos. Em fins do século XIX, poucos livros eram produzidos no Brasil, a maioria precisava ser importada de Portugal ou da França. Os títulos disponíveis aos jovens eram, notadamente, obras de cunho cívico-patriota, religiosos ou compilações francesas. A Livraria Quaresma iniciou uma revolução literária ao se propor a produzir livros de qualidade, ricamente ilustrados, com uma linguagem próxima do português coloquial falado no Rio de Janeiro, a preços acessíveis a diversas classes sociais. Incorporando o nome da antiga livraria, Pedro Quaresma, de fato, queria vender livros para o povo.
Anúncio da Livraria Quaresma, em 1957, no jornal carioca Diário de Notícias. |
A Biblioteca Infantil da Livraria Quaresma, e outras que se seguiram em cópia à fórmula, fomentou o hábito da leitura entre os filhos das classes assalariadas de boa parte do século XX, criando nesses um ambiente cultural comum, que é posteriormente ampliando com o Sítio do Pica Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, tanto em sua forma original, literária, quanto em sua adaptação televisiva, nos anos 70-80, pela Rede Globo. Várias mini-histórias que aparecem na obra de Monteiro Lobato ou na adaptação televisiva eram também histórias dos livros de Quaresma. O próprio registro de alguns contos de tradição oral permitiu manter a memória das contadoras de histórias dos séculos XIX, muitas delas confluência de narrativas trazidas pelos negros da África com mitos ameríndios.
Bem antes de George R. R. Martin, já havia um Cavaleiro das Flores na Biblioteca Infantil da Livraria Quaresma |
Andréa Leão (2007) narra como uma das consequências das publicações de Quaresma o caso de um menino de 4 anos que era considerado um prodígio por ser capaz de "ler" histórias antes de ser efetivamente alfabetizado. Ela considera que Quaresma teve o mérito de introduzir as crianças brasileiras à narrativa dos contos de fada, familiarizando-as aos livros e revistas.
Sendo uma das minhas primeiras leituras, é claro que a estrutura narrativa dessa coleção de algum modo influenciou minha escrita de O Rei Adulto décadas depois. O próprio apreço a temas de contos de fadas europeus e sua mistura a elementos brasileiros, presente tanto em O Rei Adulto, quanto nos livros de Quaresma, é disso uma pista. Mas quis homenageá-la de modo ainda mais explícito, mencionando textualmente dois de seus livros:
Diversas eram as companhias de marionetes a apresentar, inúmeras e seguidas vezes, peças clássicas do folclore infantil, como O Menino e o Lobo, João e Maria e Os Contos da Carochinha. (Capítulo 1)
Letras prateadas destacavam o título: Histórias do Arco da Velha. Incentivado pelos colegas, o menino tomou o livro entre as mãos e abriu-o ao acaso, sorteando uma página. (Capítulo 27)
Referências
- Borges, A. D. B. & dos Santos, I. V. 2008, A Livraria Pedro Quaresma e o mercado de livros infantis: a constituição de um novo público leitor, trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro de História da Educação.
- Leão, A. 2007, Publicar contos de fadas na Velha República: um compromisso com a nação, Comunicação & Educação, 12, n. 3, set/dez 2007, pg. 15-22.
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