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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Influências do Esperanto em O Rei Adulto

Muitos brasileiros já ouviram algo sobre o Esperanto. Alguns são capazes de apontar corretamente que se trata de um idioma artificial, mas imaginam que foi criado para substituir os demais. Ao contrário desse objetivo totalitarista, o Esperanto foi criado por Lázaro Zamenhof em 1887 para servir como linguagem auxiliar, comum a toda a humanidade, que permitisse a comunicação igualitária entre povos de línguas distintas, sem substituir os idiomas locais.

Lázaro Luís Zamenhof,
Criador do Esperanto.
Trata-se de um idioma criado para ser simples, de modo a facilitar seu aprendizado por todos. Entre as diversas características que o tornam um idioma fácil, cito: ele tem apenas 16 regras principais; a escrita é fonética, isto é, cada letra corresponde a um único som; não há verbos, casos ou plurais irregulares e a conjugação verbal é muito simplificada; novas palavras podem ser facilmente formadas por derivação afixal ou aglutinação de radicais já existentes no idioma.

O Esperanto parece ter apelo para escritores de Fantasia. O fato de ser um idioma construído o mais bem sucedido de todos não tem como não chamar a atenção de escritores afeitos à construção de mundos, a começar pelo próprio Tolkien, que em pelo menos duas ocasiões demonstrou interesse pelo Esperanto. Também foi usado ou mencionado em vários livros, filmes e músicas, fazendo parte da cultura popular ora como um idioma exótico, ora como idioma futurista.

Uma quadra de selos brasileiros, de 1936,
que comemora o Nono Congresso Brasileiro
de Esperanto.
Aprendi Esperanto quando tinha 16 anos, através do livro Método Elementar de Esperanto, de Carlos Torres Pastorino, que eu havia encontrado na biblioteca do Colégio Naval. Eu já sabia algo sobre o idioma porque colecionava selos, e muitos selos brasileiros de meados do século XX comemoravam congressos esperantistas. O idioma me fascinou desde o começo, especialmente por sua simplicidade que não afetava em nada sua expressividade. Nos anos seguintes, segui estudando-o através de outros livros que encontrava em sebos. A "prova dos nove" veio três anos depois, quando visitei a Associação Esperantista do Rio de Janeiro, numa tarde de sábado. Eu ia em busca de um dicionário, mas cheguei na hora em que haveria uma palestra de Sylla Chaves. Os esperantistas presentes convenceram-me a ficar para assisti-la. Foi o que faltava para me convencer da facilidade do idioma: consegui compreender o Esperanto falado, mesmo sem nunca tê-lo ouvido antes.

O que mais apreciei no Esperanto foi que ele me ajudou a entender melhor a estrutura do próprio Português e ainda hoje me ajuda a aprender outros idiomas. Sua construção frasal demanda um maior apego à lógica (para evitar as expressões idiomáticas) e passou a ser-me frequente pensar no papel sintático de uma expressão em Português a partir de seu análogo esperantista.

Sendo um idioma que me acompanha desde a adolescência, alguns traços de sua influência se encontram em O Rei Adulto, a começar por sua filosofia central que busca permitir a comunicação de povos com culturas diferentes:

As crianças tentavam comunicar-lhe ideias básicas, mas nada conseguiam. Wáldron era o mais angustiado: não aceitava que pessoas pudessem deixar de se conhecer simplesmente porque não falavam o mesmo idioma. (O Rei Adulto, Cap. 41)

As demais influências surgem na etimologia de palavras e nomes de personagens:
  1. No Capítulo 32, Srívenc diz que Guaipur é governado por dois irmãos: Marnado e Maramanta. Marnado é um hibridismo de "maro" (em Esperanto, 'mar') e nado (em Português medieval, 'nascido'), construído segundo a regra de formação de palavras em Esperanto, com o sentido vago de "nascido no mar". Já Maramanta vem do Esperanto "Maramanto", 'aquele que ama o mar'.
  2. No Capítulo 40, um personagem tem o sobrenome Monavida. Em Esperanto, essa palavra significa 'ávido por dinheiro'. A própria cidade onde ele mora se chama Noviurbo, que é um hibridismo de Latim e Esperanto que significa "Nova Cidade".
  3. O nome da cidade Truplena, visitada pelos crianças no Capítulo 37,  significa "cheia de buracos" em Esperanto.
  4. Algumas cidades menores, que não fazem parte da história mas podem ser vistas nos mapas, têm seus nomes derivados total ou parcialmente do Esperanto: Trustenda (do Inglês Trust + Esperanto -enda, com significado composto de "na qual se deve confiar"); Durivêroi (em Esperanto, "dois rios"), situada entre os rios Flafir e do Alimão; Inda Vidi (em Esperanto, "digna de ver"), junto às Cataratas do rio Lennx.
Mas talvez a maior influência do Esperanto em mim tenha sido o amor às palavras e à linguística. Não há como ser esperantista e não apreciar a riqueza cultural que as línguas têm.

Cheguei inclusive a começar a traduzir ao Esperanto O Rei Adulto (La Reĝo Plenkreska), com vistas a permitir que um de meus correspondentes conhecesse a história. A primeira página dessa tradução pode dar uma impressão geral do idioma:



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